A música brasileira é naturalmente inundada pela polirritmia africana. É uma questão de DNA, das influências e referências que atravessaram os mares e fizeram surgir tantos ritmos brasileiros, caribenhos e norte-americanos. O músico André Sampaio acaba de dar uma remada diferente nessa navegação sem fim. Carioca de Vila Isabel, sua trajetória musical reúne elementos que se somam e oferecem uma diversidade própria da diáspora.
Ex-integrante da banda de reggae Ponto de Equilíbrio (da qual fez parte por mais de 10 anos) e Ogan Alagbe (lê-se “Alabê” – guardião da música sagrada do candomblé) desde 2011 no terreiro que frequenta há mais de uma década no Rio de Janeiro, ele aponta sua guitarra para o afro-rock dos anos 70 em seu segundo disco solo, Alagbe (Sony Music). Assim como a África inspirou o surgimento do blues e do rock nos EUA, essa referência voltou ao continente nos anos 70 no trabalho de bandas como The Funkees (Nigéria) e Orchestre Poly-Rythmo de Cotonou (Benin), entre muitas outras, em um fértil encontro da música norte-americana com afrobeat e o afro-funk.
Sampaio, em pleno 2017, acrescenta um tempero brasileiro nessa receita com referências do candomblé (nos ritmos e nas letras) e traz diversidade ao cardápio do afro-rock. As distorções e solos de seu instrumento se destacam na sonoridade de Alagbe, que dispensa metais em sua instrumentação. No ritmo, sua mão direita procura os acordes com os movimentos de quem toca instrumentos de percussão. Com produção do também guitarrista Cris Scabello (integrante do Bixiga 70), o álbum reflete o momento do músico, agora inteiramente dedicado ao trabalho solo.
A banda base na gravação do disco conta com bateria (Mauricio Bongo), baixo (Rico Bass), teclados (Marcos Mauricio), percussão (Joás Santos) e um coro formado por Lenna Bahule e Kuky Lughon – que dá um contraponto interessante ao vocal de André, na dinâmica de pergunta e resposta das letras. O disco traz ainda boas participações como as de Maurício Fleury (tecladista do Bixiga 70), Roberto Barreto (que toca a guitarra baiana no BaianaSystem), DJ Nato PK (programações), Nelson Maca (poesia), Lenna Bahule (Moçambique) e a cantora nigeriana Okwei Odili. A arte da capa, assim como toda a identidade visual de Alagbe, é do designer e DJ Ricardo Magrão.
A pesquisa de André Sampaio em torno da guitarra africana o levou a viajar por dois meses ao Mali, Moçambique e Burkina Fasso em 2012. A bagagem cultural adquirida serviu de inspiração para o primeiro disco, Desaguou (2013, independente). Alagbe (2017, Sony Music) é um mergulho ainda mais profundo nesse mar de influências – que contempla reggae, candomblé, capoeira, rock e vários ritmos africanos e brasileiros – e gera uma onda ainda não surfada pela música brasileira contemporânea: a do afro-rock. André Sampaio usa a guitarra como prancha e já está na crista. Por Ramiro Zwestch / Patuá Discos / Radiola Urbana